O meu pai era marceneiro. Mais concretamente, era um industrial de marcenaria que havia herdado de meu avô um estabelecimento que foi o pioneiro do seu género na minha terra, tendo originado a instalação de mais 34 pequenas marcenarias nos anos subsequentes. Na casa das Bengalas de Gestaçô, núcleo museológico criado com o intuito de preservar a memória histórica do ofício bengaleiro aí iniciado há mais de uma centena de anos, encontra-se todo o espólio cedido, ainda em vida, pelo meu pai. Sobre a história da bengala e do cabo de guarda-chuva, que aí se pode observar, constata-se que a primeira oficina surgiu no início do século XX pela mão do desenhador Alexandre Ribeiro que ali instalou a primeira oficina. O encarregado desse estabelecimento foi Belmiro Ferraz, meu avô, que mais tarde, por vontade do proprietário, ficou com o negócio e todo o seu património industrial. Nasci e vivi em Gestaçô, no concelho de Baião, até aos dez anos. Durante sete, convivi de perto com este contexto que com tanto carinho, dedicação, arte e trabalho árduo dava vida à madeira de cerejeira portuguesa e ao lódão. As obras de arte daqui resultantes dependiam, no essencial, da técnica de dobragem e do exímio trabalho de marcenaria que os artesãos, através do uso das goivas e dos formões, interpretavam dos desenhos e transmitiam fielmente à madeira. Cabeças de animais, figuras míticas, incrustações de madrepérola, prata ou ouro, … tudo isto conseguido em torno de balcões de madeira em que patrões e empregados trabalhavam harmoniosamente de sol a sol, incluindo longos serões de Verão. Depois de serradas em paralelepípedos, as peças eram cozidas e submetidas à dobragem, em seguida eram desengrossadas e arredondadas para serem esculpidas. Executado o trabalho de escultura, eram finamente lixadas até ficarem polidas. O acabamento com sucessivas camadas de goma laca dadas, primeiro a pincel e depois à boneca, abrilhantava, embelezava e protegia. O cheiro da madeira acabada de serrar, do serrim que saltava das grosas dos artesãos durante o desengrosso e arredondamento e do pó que se soltava das lixas durante o polimento, bem com a da madeira cozida e do verniz de goma laca ficou entranhado para sempre na minha memória. Talvez por isso, após terminado o meu curso de engenharia, não tivesse hesitado em aceitar o trabalho de direção de produção numa fábrica de mobiliário, apesar das ofertas simultâneas que recebi de duas fábricas de tintas.Das muitas memórias que possuo, apercebo-me pelo menos quarenta anos da minha vida  têm sido de profundo convívio com o mundo da madeira, grande parte dos quais dedicados à arte e aos artistas que a ela conseguem dar vida, utilidade, sustentabilidade, forma, calor, tato, suavidade e beleza. Refiro-me em concreto a todos os intervenientes: madeireiros, serrações, fabricantes de aglomerados, de mobiliário, de carpintaria interior, de carpintaria exterior, de urnas, de tanoaria, de marcenaria, de cadeiras, de sofás, de mesas, de molduras e de outros componentes. Refiro-me, também, aos desenhadores, arquitetos, designers, polidores, associações setoriais, fabricantes e revendedores de lixas, ferragens, máquinas, sistemas de cabines e secadores e de outros sistemas de envernizamento, bem como,  fabricantes de vernizes e tintas. Trabalhar a madeira é uma atividade milenar, plena de sabedoria em toda a sua dimensão construtiva. Desde sempre a madeira tem sido um substrato com o qual tenho mantido proximidade; em todo o processo da sua exploração, desde a árvore até à sua transformação em objetos úteis e não raramente em belas e formidáveis obras de arte e de engenharia. A madeira é, pois, para mim uma paixão. Neste sentido, dedicarei os meus próximos artigos a todas estas correlações…

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